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domingo, 26 de março de 2017

Entre trambiques e tropeços

Dois episódios recentes mereceram repercussão significativa: o primeiro é a aprovação do projeto de lei nº 4.302/1998, que libera a terceirização para todas as atividades das empresas e o segundo é a afirmação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, quando defendia procedimentos internos no STF para investigar os vazamentos de conteúdos tidos como sigilosos de investigações. Na oportunidade ele deixou a entender que tudo deve ser investigado e que tratam as coisas “como se o Brasil fosse um país de trambiques”.

Pois bem, no caso da afirmação do ministro Gilmar Mendes a imprensa divulgou que o ministro havia afirmado que o Brasil é um país de trambiques, quando na realidade o contexto de sua fala colocava que as investigações deveriam ocorrer. Em sua fala ele exige que ocorram as investigações dos vazamentos e considera que estes fatos permitem que se falem mal das instituições. Emendou neste contexto afirmando que o processo de vazamentos seletivos denigre a imagem das instituições e deixa a entender que nosso país é um país de trambiques.

Não há nada de errado na fala do ministro, pois quando estes episódios acontecem alguém de uma instituição permitiu o acesso a informações que não podiam se tornar publicizadas naquele momento. Por conta disto ocorreu um ato infracional de algum servidor público e isto, realmente, coloca em suspeição a integridade ética das pessoas que trabalham nas instituições e elas próprias.

Não se trata de entrar no mérito se as gravações dos depoimentos deveriam ou não ser divulgadas naquele momento. Segundo alegam os entendidos não podiam ser divulgadas, portanto não deveriam ter sido. Por conta disto usam o termo “vazamento”.

Já no outro episódio, sobre a aprovação do PL da terceirização, todos estão tratando o assunto como se fosse uma coisa ruim e que subtrai direitos dos trabalhadores e precariza as relações de trabalho. Não vejo desta forma. Os direitos trabalhistas já estão definidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o que o projeto de lei passa a permitir é a contratação de trabalhadores terceirizados para exercerem funções na atividade-fim, que era permitida somente para a atividade-meio.

Nada de espantoso e extraordinário. Nada para causar pânico e o arrepio dos militantes de plantão que esbravejam que isto é de todo ruim.

Não estou dizendo que tudo está correto e que deveria ser implantado de imediato e sem nenhum cuidado. O que acontece é que todos sabem, somente não conseguem provar, que há tentativas e mesmo práticas efetivas para distorcer a norma estabelecida. Ora, se a pessoa é contratada por uma empresa ela deve ter o registro de seu contrato de trabalho e passa a gozar de todos os benefícios existentes e aprovados na legislação. Terá férias, FGTS, décimo terceiro salário, abonos, hora-extra, etc.

O que acontece é que na tentativa de se dar um “jeitinho” para se burlar algumas normas se cometem infrações que, aí sim, precarizam as relações de trabalho. Isto é a trambicagem que o ministro citou e que não pode ocorrer.

Por conta disto as instituições públicas e privadas que fiscalizam e regulam as relações de trabalho devem atuar com autonomia e competência para tentar inibir estas práticas. O Brasil é um país sério, sim. O que temos que extirpar de nosso meio é a prática usual de se tentar levar vantagem em tudo. Quando isto começar a acontecer poderá dizer, como na música da banda Capital Inicial, que “um dia tudo volta para o seu lugar”. Neste caso o lugar é onde as leis são cumpridas e fiscalizadas.

domingo, 19 de março de 2017

Intestinos e fígados

Estudos recentes publicados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) abordaram temas relativos ao baixo crescimento da economia global e a importância de reformas estruturais voltadas para o aumento da produtividade. Já está pacificado na teoria econômica que uma forma de aumentar a produtividade é a partir da utilização de tecnologias de processos e de produtos. Entretanto temos que considerar que muitas economias possuem atividades econômicas intensivas em mão-de-obra e o aumento da produtividade implica, necessariamente, em redução do nível de emprego dos fatores de produção, dentre eles o da mão-de-obra.

Por óbvio nosso país possui um grande dilema e que está mantendo o baixo crescimento através do baixo nível de produtividade da economia. É claro que a política econômica irresponsável implementada pelo governo federal nos últimos dez anos colaborou, e muito, para que o efeito do “voo da galinha” ocorresse novamente em nossa economia.

Agora os aumentos da competitividade global aliada aos níveis de baixo crescimento dos países do globo estão fazendo as economias darem uma guinada de ações políticas no sentido do protecionismo e os países mais vulneráveis passam a sofrer, ainda mais, com as mudanças no cenário econômico mundial.

Com efeito, temos que inserir a economia brasileira num contexto de vulnerabilidade econômica, uma vez que se não forem implantadas reformas estruturais os agentes econômicos não conseguirão melhorar seus respectivos desempenhos e o aumento do desemprego passa a ser iminente.

É claro que a sede reformista do governo Temer é atrapalhada, intempestiva e autoritária. Atrapalhada justamente porque está sendo proposta num momento em que os fundamentos da economia estão muito sensíveis e também porque não se estabeleceu nenhuma forma de debate com a sociedade. Tais reformas estão vindas, literalmente, de “cima para baixo”, sem consultas aos cidadãos que serão atingidos diretamente pelas medidas propostas. Medidas que são concebidas por um pequeno grupo que se consideram “notáveis” no assunto não é a melhor forma de fazer mudanças estruturais.

Porém, temos que considerar que num debate público somente comparecem os militantes que possuem fortes influências de doutrinas que pregam que o estado deve ser responsável por tudo e isto é temerário, uma vez que há a necessidade de se indicar as fontes de financiamento para todas as ações governamentais.

Os governos recentes de nosso país trataram de ampliar os gastos públicos sem se preocupar com o outro lado da equação: o da receita. Com isto o desequilíbrio nas contas públicas jogou nossa economia quase no “fundo do poço”. Agora as medidas para restabelecer as condições existentes antes das medidas irresponsáveis de nossos gestores públicos são duras e prejudicam, como sempre, as camadas mais pobres de nossa economia.

As reformas estruturais devem acontecer, sim. Mas a parcela racional da sociedade deve participar do debate e as mudanças devem ser implantadas somente após o convencimento desta parcela racional que terá a missão difícil de convencer aqueles que pensam somente com seus respectivos “fígados”.

A participação de pessoas com tendências extremistas, tanto de esquerda quanto de direita, somente servirá para tornar o debate mais duro e difícil e, com certeza, os resultados nunca serão os melhores para o conjunto da sociedade. Nestas situações devemos seguir a lógica aristotélica de que o equilíbrio está no meio.

domingo, 12 de março de 2017

Um novo segmento: os aposentados

Sem querer navegar no debate sobre a necessidade ou não da reforma da Previdência Social, que vem ocupando muitos analistas especializados ou não e que é mote para a utilização demagógica sobre o tema, temos que abordar outros assuntos que também devem estar na preocupação dos formuladores de políticas públicas e de toda a sociedade.

Estou falando sobre a razão de dependência e do aumento significativo do número de benefícios emitidos. O primeiro diz respeito ao peso da população inativa sobre a população potencialmente inativa. Já o segundo simplesmente aborda o aumento do número de aposentados e pensionistas. Este último tem que ser observado e analisado em diversas perspectivas, onde todas resultam na necessidade de a sociedade se ajustar à nova realidade social do envelhecimento da população.

Além da óbvia necessidade de fazer ajustes para que a Previdência Social tenha condições de “pagar” todos os benefícios emitidos, há a necessidade de se conceber políticas públicas para garantir a qualidade de vida para os idosos frente ao processo de transição demográfica.

O número de benefícios pagos pela Previdência Social cresceu 3,6% ao ano, no período de 2002 a 2014. Atualmente são pagos benefícios para 33,7 milhões de pessoas. Se o volume de pessoas aposentadas estivesse perfeitamente distribuído em todo o território nacional as políticas públicas e as ações privadas seriam mais fáceis de serem concebidas e mais eficazes em sua aplicação.

Entretanto o que se observa é uma concentração relativa de aposentados e pensionistas mudando seus domicílios para regiões onde os indicadores de qualidade de vida são melhores. Esta é uma tendência natural, pois todos querem “curtir” a tão almejada aposentadoria em municípios que possuam atrativos de lazer, uma boa estrutura de saúde pública e custo de vida relativamente moderado.

No estado do Paraná temos cerca de 1,9 milhão de beneficiários da Previdência e se fizermos uma relação simples de concentração verificamos que temos municípios onde estes beneficiários representam 1% da população total e outros que chegam a ter esta relação em 40%. Em Apucarana e em Arapongas existem, segundo dados de 2016, um total de 25.407 e 20.151 aposentados e pensionistas da Previdência Social, respectivamente.

A relação de aposentados e pensionistas frente à população total é de 19,3% em Apucarana e de 17,2% em Arapongas. Com efeito, estes indicadores, que estão muito próximos da mediana do estado, demonstram que a qualidade de vida para os idosos é considerada muito boa e que há uma preferência em continuar residindo nesses dois municípios.

Porém há a necessidade das autoridades ficarem atentas na busca de alternativas de políticas públicas para garantir a atual condição de qualidade de vida e, obviamente, buscar melhorá-la cada vez mais. Analogamente devem ocorrer incentivos para que o comércio e o setor de serviços locais passem a oferecer produtos e serviços para atender as especificidades deste segmento da sociedade que possui renda para consumir e que se caracterizam como sendo mais exigentes.

A não percepção destes eventos que estão ocorrendo em nossa sociedade pode promover um quadro de migração para outros centros e com isto a economia local poderá deixar de ter em circulação a renda deste segmento que girou, somente no ano passado, cerca de R$ 618 milhões, nos dois municípios.


quarta-feira, 8 de março de 2017

Fantasia econômica

Há uma certa euforia com as expectativas dos analistas de mercado financeiro de que os indicadores econômicos estão melhorando. De certa forma até podemos concordar que estão melhorando, pois no final de setembro de 2016 a expectativa era de que a inflação de 2017 ficaria acima dos 5% e atualmente já se projeta uma inflação inferior ao centro da meta, que é de 4,5%.

Da mesma forma, à época, se esperava que a taxa de juros básica da economia (Selic) atingiria 11% ao final do ano e hoje já se espera que em dezembro ela esteja entre 8% e 9%.

A euforia tenta capitalizar confiança e popularidade para o governo de Michel Temer, porém as coisas não andam tão boas quanto tentam vender. Assim como alguns indicadores melhoraram outros pioraram. E ainda temos que acompanhar os movimentos e decisões econômicas que acontecem no resto do mundo. Neste último a preocupação deve ter como foco principal as tendências unilaterais do governo americano e os subsídios à indústria nacional em outros países como o Canadá.

As expectativas sobre a dívida líquida do setor público, do crescimento do PIB, do crescimento da produção industrial, dos saldos em conta corrente e da balança comercial pioraram. Com isto, a expectativa é de aumento sensível da taxa de desemprego.

Analogamente a expectativa de menor inflação é resultado do forte desemprego e do nível de renda baixo que fez com que a demanda agregada despencasse e, com isto, a pressão sobre os preços passasse a ser menor. Para tentar dar uma acelerada na economia a equipe econômica do governo vem apostando na redução da Selic, numa tentativa, que pode ser inglória, de melhorar o ambiente econômico interno.

Não terão muito sucesso para 2017. Isto porque os movimentos e decisões econômicas de outras economias irão afetar a nossa já fragilizada economia. O governo americano está discutindo a implantação de um ajuste fiscal de fronteira que consiste em tributar as importações e desonerar as exportações. Se implantado poderá ocorrer alterações no câmbio global e a moeda americana será fortemente valorizada. Com isto haverá aumento de preços de forma generalizada.

Para apimentar ainda mais esta mistura temos que o salário médio da indústria chinesa superou os pagos pela indústria brasileira e mexicana. Com isto os preços globais aumentam pelo lado da oferta por conta do custo da mão-de-obra dos trabalhadores chineses e também pelo lado da demanda, uma vez que estes trabalhadores passam a demandar mais bens e serviços por conta do aumento do poder aquisitivo. Como resultado disto temos perspectivas de mais inflação no mundo.

O que pode acontecer é o aumento do desemprego na China com uma eventual migração de empresas para países onde o custo da mão-de-obra seja mais barata, mas esse movimento demora para acontecer e até lá é possível que tenhamos, sim, mais inflação.

Isto sem falar que muitos países estão tomando medidas protecionistas para proteger os empregos e as empresas instaladas.

O governo federal terá que fazer muito mais do que está sinalizando para tentar amenizar o cenário. É certo que os indicadores estão melhorando, porém o cenário econômico brasileiro atual inspira cuidados especiais por parte da equipe econômica.

Por estas e outras que a sociedade deve acompanhar as decisões e ações dos gestores públicos tempestivamente para que possam exigir decisões sóbrias e comprometidas com o médio e longo prazo e não somente com o dia seguinte.